Por Joaquim Ferreira dos Santos
Não vou
entrar na lengalenga de sempre, se elas devem receber os mesmos salários que os
homens, se batem na bola com a mesma competência ou se dessa vez, finalmente, a
Rainha Marta e suas canarinhas vão trazer o caneco. Não é o caso. Eu tenho
certeza que essa Copa do Mundo feminina iniciada no fim de semana vai
demonstrar, pelo contraste de atitudes, pela civilidade diante das regras do
jogo, quão insuportável está o comportamento do futebol masculino no Brasil.
Fala-se muito, joga-se pouco, e
em breve haverá nas resenhas do Brasileirão um scout, aquela contagem de faltas
ou passes errados, em que após o percentual de posse de bola virá a informação
de “posse de fala”. Como são insuportáveis, reclamam de tudo, esses jogadores
tagarelas!!!
Parecem interessados não em
ganhar o troféu de Craque do Jogo, dado pela Globo, mas o cinturão Ultimate
Fighting dado ao macho mais tóxico da partida. Peitam-se, empurram-se. Zero de
conduta. O doping não é mais a efedrina com que pegaram o Maradona na Copa de
94, mas o uso radicalizado da testosterona extremista. Uns malas!
Foi aí que o ator Gustavo Machado percebeu que boa parte dos jogos
é ocupada por essas discussões. Os jogadores, depois de se xingarem, vão encher
o saco do juiz, este pobre coitado que sofre também o assédio dos técnicos,
professores histéricos ameaçando entrar em campo para ensinar como se sopra o
apito.
A zorra é total. A bola não rola,
os botocudos querem se pegar o tempo todo, e é então que, vinda da cabine lá de
cima, do anel sagrado do Maracanã, eu ouço a voz imortal de Waldir Amaral
gritando, impaciente com a palhaçada, o tonitruante aviso de “o relóóóógio
maaaaaarca!”.
O futebol falado, se Noel Rosa
permite o plágio, é um dos grandes culpados por o país não passar mais das
quartas de final nas últimas copas.
Pois foi
aí que Gustavo Machado, também dublador, percebeu como curtir com a cara desse
ridículo. Já que as jogadas eram o de somenos, ele imaginou que seria engaçado
fazer a leitura labial dos perrengues em campo e depois amplificar, num estilo
versão brasileira Cine Castro ou Herbert Richers, o blábláblá dos trogloditas.
O resultado é o melhor da internet dos últimos dias.
“Você deu o cartão porque ele é o
Felipe Melo”, balbucia choroso o meia Paulo Henrique Ganso ao juiz,
reconhecendo sem querer que o companheiro de clube é notório carniceiro. Os
diálogos dublados são reais, recuperados depois da análise de vários vídeos.
Divulgados pela boa técnica de Gustavo em fazer muitas vozes, são
irresistíveis. Pena que, ao final, fique a sensação triste do cartum do Ziraldo
– aquele do sujeito, uma faca enorme atravessada no peito, dizendo um
acabrunhado “Só dói quando eu rio”.
As mulheres que entram em campo
nesta segunda-feira têm um retrospecto de brigar pela vitória dentro das quatro
civilizadas linhas do esporte. Podem servir de exemplo para que os homens se
toquem do constrangedor bate-boca interrompendo os jogos.
O cineasta Pier Paolo Pasolini
disse que a futebol da Itália era prosa e o do Brasil, poesia. Foi depois da
final de 1970. Se ele visse hoje um Fla-Flu, com o enfrentamento de Gabigol versus
o contumaz Felipe Melo, deixaria de tamanha poesia numa pancadaria dessas. Um
jogo do brasileirão, com seus palavrões e empurra-empurra, está mais para a
baixa literatura – e que as meninas da Marta reescrevam essa história – de um
Boletim de Ocorrência.
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