Relatório
lançado em julho passado pela Unesco, sobre tecnologias na educação, recebeu
grande atenção dos meios de comunicação. Algumas análises apressadas deram a
entender que o documento era contrário ao uso de tecnologia em sala de aula. As
conclusões do texto, porém, estão bem alinhadas com pesquisas recentes que
revisaram estudos na área, e sinalizam que há sim um potencial benefício aos
estudantes, mas que é preciso cautela antes de adotar soluções digitais que
prometem – sem lastro em evidências – grandes e rápidos avanços na aprendizagem.
A
principal recomendação do relatório da Unesco é que os gestores da educação
avaliem com critério algumas premissas antes de optar pelo uso massivo de
tecnologias. Em primeiro lugar, a aplicação dessas tecnologias deve ser
contextualizada, levando em consideração as especificidades de cada ambiente
educacional. Por exemplo, a simples distribuição de tablets aos alunos pode, em
alguns casos, resultar em perdas substanciais no processo de aprendizagem. É
fundamental também que seja garantida a equidade, já que a desigualdade no
acesso a novas tecnologias permanece bastante preocupante.
Outro
aspecto é a escalabilidade das soluções tecnológicas adotadas, posto que
resultados promissores em projetos piloto nem sempre podem ser extrapolados com
sucesso para implementações em larga escala. Por fim, incorporação de uma nova
tecnologia deve ser acompanhada de uma análise rigorosa de sua longevidade e
relevância a longo prazo, pois o ciclo de obsolescência das soluções digitais
tende a ser significativamente mais curto do que o das mudanças nas práticas
pedagógicas.
No
entanto, diante da urgência em apresentar resultados imediatos de aprendizagem
ou do encantamento com o uso de novas tecnologias na educação, muitos gestores
acabam tomando decisões precipitadas em relação ao uso desses aparatos em sala
de aula. Dias após a divulgação do relatório da Unesco, repercutiu
negativamente entre especialistas, por exemplo, a decisão do governo de São
Paulo de passar a usar apenas livros digitais nas salas de aula do segundo
ciclo do ensino fundamental. A secretaria de educação acabou recuando
parcialmente da medida (materiais serão também impressos) e, posteriormente,
nova onda de críticas veio quando erros foram identificados nos materiais pedagógicos.
O
relatório da Unesco se soma a um conjunto robusto de evidências em relação ao
tema. Já em 2014, por exemplo, Elena Arias Ortiz e Julian Cristia elaboraram
para o Banco Interamericano de Desenvolvimento uma nota técnica baseada
em meta-análise (método que sintetiza resultados de vários estudos) de 15
avaliações de impacto rigorosas de experimentos em países asiáticos e
latino-americanos. A conclusão foi que programas de uso guiado da tecnologia –
com intenção pedagógica e supervisão intensa de professores – apresentaram
resultados positivos, enquanto estratégias baseadas principalmente no acesso a
equipamentos tiveram, em geral, efeitos nulos. Uma revisão de estudos publicada
pelo National Bureau of Economic Research, em 2017, (“Education Technology: an
Evidence-Based Review”) chegou a conclusões similares.
Na
publicação, Maya Escueta e coautores analisam mais de 90 artigos acadêmicos e
identificam que a simples oferta de equipamentos é insuficiente para elevar a
aprendizagem, ainda que possa ser uma política defendida em termos de redução
da desigualdade digital. Outra conclusão foi que a substituição de aulas
presenciais por cursos online eram negativas para alunos da educação básica.
Estratégias de mudança de comportamento através de mensagens de incentivo aos
alunos demostraram efeitos limitados, mas foram consideradas positivas por serem
de baixo custo. Por fim, de novo, o caminho mais promissor era o de programas
bem elaborados do ponto de vista pedagógico e que complementavam – em vez de
substituírem – o trabalho dos professores em sala de aula. O foco, argumentam,
não deve ser o produto em si, mas sim a estratégia pedagógica por trás dele.
Essas
evidências já estavam disponíveis antes da pandemia, quando – por razões
emergenciais – sistemas educacionais de todo o mundo tiveram que se adaptar
rapidamente ao uso da tecnologia para manter os alunos engajados. Mesmo
considerando que muitos dos esforços foram feitos com as melhores intenções,
não surpreende que o resultado tenha sido a queda da aprendizagem com aumento
da desigualdade. Surpreendeu, contudo, como redes de ensino e especialistas
menosprezaram as evidências já conhecidas quando da eclosão da pandemia e
tenham adotado ou recomendado soluções inócuas. Vivenciamos na prática o que já
era bastante mapeado na literatura acadêmica: a simples transposição da aula
presencial para um ambiente virtual é uma péssima estratégia pedagógica.
(Por
Ricardo Henriques)
Nenhum comentário:
Postar um comentário