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Canoas(RS), maio/24 |
Desde
que assumiu o governo do Rio Grande do Sul, em 2019, Eduardo Leite implementou
ou aprovou mudanças que, na visão de especialistas consultados pelo UOL, diminuíram a proteção ambiental e podem tornar o estado ainda mais vulnerável a
enchentes.
O que aconteceu?
Ambientalistas afirmam que normas ambientais do RS
foram enfraquecidas sob a gestão Leite (PSDB). As
mudanças mais danosas, segundo eles, são as que aumentaram brechas para uso de
áreas de preservação, inclusive em margens de rios, e afrouxaram o controle do
poder público sobre atividades com alto potencial de degradação.
Parte das mudanças passou pelo Legislativo. A pedido de Leite, em 2020, a Assembleia do Rio
Grande do Sul aprovou um novo código ambiental que alterou 480 normas
ambientais. Mais recentemente, em janeiro deste ano, os deputados aprovaram uma
lei que permite construção de barragens e outras obras de impacto em áreas
protegidas.
O desmatamento no RS aumentou sob o atual governo. Segundo dados da plataforma Mapbiomas, o
estado perdeu 1.145 hectares de vegetação (cerca de 1.600 campos de futebol) em
2019, primeiro ano da gestão Leite. Em 2022, ano com o dado mais recente do
Mapbiomas, o desmatamento foi de 5.197 hectares (7.200 campos de futebol).
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em 2019, o governador apresentou o novo Código Ambiental |
O governo estadual nega que as mudanças tenham
relaxado a legislação ambiental. A
Sema-RS (Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do RS) afirmou ao UOL que
o governo "atualizou procedimentos" e que não é possível relacionar
os danos das cheias às mudanças nas normas.Lei permite barragens em áreas
preservadas
Em
janeiro, Leite aprovou uma lei que ameaça áreas sensíveis próximas a rios. O
texto permite obras para irrigação e geração de energia nas chamadas APPs
(Áreas de Preservação Permanente), que foram previstas pelo Código Florestal,
em 2012, para proteger locais como o topo de morros, restingas e margens de
rios e lagos.
A
aprovação da lei era uma demanda do agro gaúcho. Após
o estado enfrentar três anos seguidos de seca, que prejudicaram as
lavouras, entidades rurais defenderam que os produtores possam fazer
barragens em rios, mesmo em APPs, para armazenar água. A lei considera de
"utilidade pública" a construção de obras de irrigação.
A
mudança pode deixar locais mais vulneráveis a enchentes. Para
os ambientalistas ouvidos pelo UOL, a lei deve
incentivar o desmatamento de áreas próximas a rios, cuja vegetação serve para
conter o volume e a força das águas.
O
governo nega que as mudanças ameacem áreas protegidas.
Segundo a Sema-RS, a legislação prevê compensações ambientais para os casos em
que áreas de preservação tiverem que ser desmatadas, por exemplo.
“Na região do rio Antas-Taquari
[nordeste do RS], a abertura de campos de soja vem destruindo as cabeceiras dos
rios. E essa legislação de agora permite ainda mais obras, até hidrelétricas,
sem consulta às comunidades atingidas” (Paulo
Brack, professor do Instituto de Biociências da UFRGS - Universidade Federal do
Rio Grande do Sul)
Menos controle estatal sobre
atividades poluidoras
Em
setembro de 2019, Leite enviou à Assembleia um novo código ambiental para o RS. O
texto, que alterou quase 500 normas no estado, criou vários atalhos para
acelerar a concessão de licenças ambientais, inclusive para atividades
econômicas que o próprio Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS)
considera de alto potencial poluidor.
A
mudança reduz o controle do estado sobre essas atividades. Uma
das novidades é o LAC (Licenciamento Ambiental por Compromisso), em que o
próprio interessado emite sua licença, sem análise prévia dos órgãos
ambientais. Ao todo, 48 atividades podem funcionar dessa forma, inclusive
pecuária e cultivo de espécies invasoras, como pinus e eucalipto.
Um
processo contra essa lei está parado há três anos no STF. Em
abril de 2019, na gestão de Augusto Aras, a PGR (Procuradoria-geral da
República) pediu ao Supremo a revogação de cinco artigos do código, por
considerar que eles ferem normas federais e a Constituição. Até hoje, porém, a
Corte não julgou o caso.
Para
ambientalistas, as mudanças abrem brecha para obras em áreas úteis no combate
às cheias. O professor de direito ambiental Francisco Soler afirma que é
comum, por exemplo, a ocupação irregular de áreas de mata ciliar na Lagoa dos
Patos — onde deságua o Lago Guaíba, que banha Porto Alegre — e em banhados, que
ajudam a absorver água durante enchentes.
“Na região de Pelotas, no sul
do estado, existem muitas construções irregulares em áreas de preservação nos
banhados, que têm uma função importante na prevenção das enchentes. As águas
têm um caminho natural, e não adianta achar que muros e bombas de drenagens vão
ser suficientes para resolver o problema” (Antonio Soler, professor de Direito Ambiental e membro no
Conama - Conselho Nacional de Meio Ambiente)
(UOL)