Por Márcio Endles
Advogado
e professor
A eleição da Assembleia do
Maranhão tem sido amplamente debatida, suscitando questionamentos e reflexões
sobre sua legitimidade. Em razão disso, muitas pessoas têm solicitado opinião
sobre o tema. Trata-se de uma questão que já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), cuja jurisprudência consolidada assegura a autonomia das Casas
Legislativas na aplicação de suas normas regimentais, conforme delineado no
Tema nº 1.120 da Repercussão Geral.
A repercussão geral tem como
objetivo evitar a repetição desnecessária de julgamentos sobre questões já
resolvidas. Esse instituto é acionado quando se reconhece a importância de
estabelecer entendimentos consistentes sobre temas relevantes, promovendo a
uniformidade das decisões judiciais. Ao consolidar tais entendimentos, a Corte
Suprema contribui para a garantia da isonomia e da previsibilidade nas soluções
jurídicas, valores essenciais ao Estado Democrático de Direito.
Esse mecanismo adquire
especial relevância em um sistema federativo como o brasileiro, onde é
indispensável harmonizar interpretações regionais com os princípios
constitucionais. A uniformidade das teses jurídicas, além de fortalecer a
segurança jurídica, garante que as decisões respeitem as peculiaridades locais
sem comprometer a coerência do sistema jurídico nacional.
No caso em questão,
destaca-se a uniformização da jurisprudência que consagra a independência e a
autonomia dos parlamentos para tratar de suas normas internas. O entendimento
firmado pelo STF no Tema nº 1.120 é inequívoco: as normas regimentais das Casas
Legislativas constituem matéria interna corporis. O Poder Judiciário não
deve intervir, salvo nos casos de flagrante violação constitucional. Essa
posição reflete uma jurisprudência sólida, consistente e reiterada, conferindo
aos parlamentos autonomia para decidir sobre suas próprias regras internas.
Um exemplo paradigmático da
aplicação desse entendimento ocorreu no julgamento da Reclamação 57526,
envolvendo a eleição da presidência da Câmara Municipal de Palmas, capital do
Tocantins. Naquele caso, o processo eleitoral interno para o biênio 2023/2024
foi contestado pelo candidato derrotado, que alegava irregularidades na
contagem de votos. Ele sustentava que três votos, considerados válidos pela
Mesa Diretora, deveriam ter sido anulados, e pleiteou intervenção judicial para
rever o resultado.
O Poder Judiciário Estadual
acolheu inicialmente o pedido, determinando nova análise dos votos. Contudo, o
STF, em decisão unânime, reformou tal entendimento, reafirmando que a
interpretação e a aplicação do regimento interno são competências exclusivas da
Casa Legislativa, cabendo aos parlamentares decidir soberanamente sobre suas
regras internas. Essa decisão, publicada em 19/05/2023, reiterou a aplicação do
Tema nº 1.120 e a autonomia parlamentar.
O precedente do caso de
Palmas reforça dois pontos fundamentais que dialogam diretamente com a situação
da Assembleia Legislativa do Maranhão. Primeiro, mesmo diante de uma alegação
de omissão regimental, o STF reafirmou que cabe exclusivamente ao Parlamento
interpretar e aplicar suas normas internas, sem qualquer ingerência judicial.
Segundo o STF destacou que questões como contagem e validação de votos são
assuntos internos, sendo vedada a revisão judicial de decisões soberanas do
Legislativo.
No caso do Maranhão, o
Regimento Interno da Assembleia não é omisso. Pelo contrário, ele estabelece de
forma expressa a regra de desempate por idade, adotada durante a eleição em
questão. Essa norma foi legitimamente decidida pelos próprios deputados estaduais,
refletindo a soberania do colegiado. Diferentemente do caso de Palmas, onde
havia uma alegação de lacuna normativa, no Maranhão a norma regimental é clara
e foi devidamente aplicada no processo eleitoral.
A ação que questiona a
eleição da Assembleia do Maranhão contraria a unanimidade das decisões do STF
sobre o tema e representa uma ruptura com anos de jurisprudência consolidada,
que protege a soberania das Casas Legislativas no exercício de suas
competências internas. Admitir essa intervenção configuraria uma verdadeira
virada de jurisprudência, comprometendo a previsibilidade e a segurança
jurídica do sistema constitucional brasileiro.
Tentei resumir o assunto, mas
os autos contêm diversos elementos que ainda serão analisados e que evidenciam
a inviabilidade da ação. Ademais, é evidente que a jurisprudência do STF,
fundamentada no Tema nº 1.120 da Repercussão Geral e em precedentes como o da
Câmara Municipal de Palmas, aponta claramente para a improcedência da ação. A
autonomia das Casas Legislativas é um princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito e deve ser resguardada.
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