Em tempos de Enem 2024 e Sisu, abundam notícias sobre os
primeiros lugares em cursos concorridos. Títulos como “estudante revela segredo
para tirar nota 1000 na redação”, “aprovado em primeiro lugar dá dicas” ou
“conheça a história dos estudantes que se destacaram” se repetem todos os anos.
Se houver alguma história de superação envolvida, melhor ainda.
Não há nada de novo nisso. Antes mesmo da criação do Enem, a
curiosidade em saber quem eram os primeiros colocados em vestibulares sempre
rendeu inúmeras reportagens. Este escriba — réu confesso — já cometeu algumas
num passado remoto. Vários cursinhos, cientes desse apelo midiático, utilizavam
até algumas estratégias artificiais de marketing. Muitas vezes, alunos que
estudaram a vida inteira em outro estabelecimento ganhavam no último ano uma
bolsa de estudo, em troca da possibilidade de terem seu rosto estampado num
anúncio.
É natural a curiosidade sobre aqueles que mais se destacam
num exame que mobiliza milhões de candidatos em todo o país. Também não há nada
de errado em reconhecer o mérito desses alunos excepcionais, ou em querer saber
um pouco mais sobre eles. O problema é quando, a partir desses casos,
extrapolamos ao fazer inferências sobre a qualidade do ensino ou passamos a
ideia de que, a partir das “dicas” ou “segredos” desses estudantes, poderemos
aumentar o número de pontos fora da curva.
Neste ano, o próprio MEC divulgou em coletiva o número
de alunos que tiraram a nota máxima na redação. Foram 12, uma queda em relação
aos 60 de 2023, ou o menor número dos últimos dez anos, conforme algumas
manchetes de jornais, que buscaram especialistas para entender as causas do
fenômeno. Ocorre que, como insumo para o debate sobre a qualidade do ensino, é
um dado irrelevante. Mesmo que no ano que vem o número triplique ou
quadruplique, continuará sendo apenas uma curiosidade.
Um dado que merece atenção nas estatísticas de transição do
ensino médio para o superior, esse sim por ser revelador dos nossos gargalos e
das desigualdades educacionais, é o de estudantes que ingressam no superior
logo no ano seguinte ao de conclusão no ensino médio. Ele foi divulgado pela
primeira vez pelo Inep no ano passado, na apresentação de resultados do Censo
da Educação Superior. Entre jovens de escolas particulares, foram 59%, quase o
triplo do verificado nas redes estaduais (21%). As desigualdades raciais, mais
uma vez, são gritantes: entre brancos a proporção fica em 37%, caindo para 20%
entre pardos e 17% entre pretos.
Todos os esforços para ampliar o número de alunos da rede
pública que participam do Enem são válidos, afinal, mesmo em universidades
federais há cursos que ficam com vagas ociosas. E, do ponto de vista do retorno
econômico individual, ter um diploma universitário segue fazendo enorme
diferença em termos de renda e empregabilidade no mercado de trabalho. Sempre
haverá casos excepcionais para despertar a curiosidade, mas, sem melhoria da
aprendizagem para todos na educação básica, o máximo que colheremos serão
avanços insuficientes.
Por Antonio Gois
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