Por Miriam Leitão
A guerra aberta de Donald Trump contra o comércio
internacional fará ainda muito estrago na economia americana e global. Na
terça, os tambores rufaram de lado a lado, com Canadá, México e China, e anunciando
retaliações ao aumento generalizado de tarifas disparado por Trump. No discurso
no Congresso, no fim do dia, ele disse que outros países também estão na alça
de mira, entre eles, o Brasil. Ontem, o recuo em relação às montadoras foi um
alívio. Temporário.
Canadá,
México e China juntos representam US$ 1,4 trilhão das importações americanas.
Os importadores terão que pagar mais pelos seus produtos e isso vai para o
preço final, mesmo que possa ser em parte absorvido dentro da cadeia produtiva
americana. O resultado é mais inflação e menos crescimento.
No Brasil,
há quem esteja acreditando que podemos lucrar nos esgueirando pelas brechas
entre as trincheiras e vendendo mais alguns milhões. A China anunciou contra os
EUA 15% de tarifas sobre frango, trigo, milho, algodão, e 10% sobre sorgo,
soja, carnes suína e bovina, pescados, frutas, vegetais e laticínios. Em 2018,
uma parte do espólio foi aproveitado pelo Brasil, mas será mais difícil dessa
vez.
Primeiro,
porque agora a escala das hostilidades está muito maior. Segundo, porque o
contexto no Brasil é de inflação de alimentos e muitos desses produtos
exportados pressionarão os preços internos. Então poderemos ter vitória de
Pirro com alguma exportação extra, porém com mais inflação aqui dentro. Isso
sem falar no fato de que Trump já disse que tem munição guardada para o Brasil.
O primeiro-ministro demissionário canadense, Justin
Trudeau, foi mais vocal. Após falar diretamente ao povo americano sobre o
sentido da agressão a um parceiro e aliado, ele disse, dirigindo-se ao
presidente Trump, que essa decisão era “muito estúpida”. A presidente do
México, Claudia Sheinbaum, disse que divulgará medidas de retaliação no domingo.
A China anunciou aumentos de inúmeras tarifas e falou através de
pessoas de menor escalão, embora de forma bem contundente. Como a China é um
governo autoritário e centralizado, ninguém fala sem ser autorizado. Isso dá
maior peso aos recados de pessoas como Lin Jiau, porta-voz do Ministério das
Relações Exteriores. Ele disse o seguinte: “A China vai lutar até o fim se os
Estados Unidos insistirem em acenar com a guerra de tarifas, a guerra
comercial ou qualquer outro tipo de guerra”.
Há outra frente de conflito no Canadá. Trudeau afirmou que
está conversando com as províncias sobre medidas não tarifárias. O primeiro-
ministro de Ontário, Doug Ford, foi ameaçador: “Se querem aniquilar Ontário, eu
vou fazer tudo, incluindo cortar a energia deles, com um sorriso no rosto. E
estou encorajando todas as outras províncias a fazer o mesmo”.
Nesse
momento, tudo está sendo jogado na mesa. Palavras, tarifas e barreiras não
tarifárias. O resultado de tudo isso é uma redução da atividade econômica,
aumento da inflação e continuidade de juros altos. O presidente do FED (banco
central americano), Jerome Powell, já disse que, neste contexto, não tem
nenhuma pressa em voltar a reduzir os juros.
Os Estados
Unidos são uma máquina de importar. No ano passado, o total foi de US$ 3,3
trilhões, portanto têm um enorme poder de barganha. O problema é que Trump tem
demonstrado ver isso de um lado só, o que é, para usar a palavra de Trudeau,
“estúpido”. Ao reduzir a importação de produtos, a economia americana
contratará desorganização da cadeia produtiva, ineficiência e custos elevados.
Em relação
ao Brasil, o comércio é pequeno perto das dimensões americanas. Nossa corrente
de comércio é de US$ 40 bi para cada lado. Porém, como o Brasil sempre teve
tarifas altas, está vulnerável. A estratégia deve ser tentar o diálogo e
avaliar uma redução de tarifas. A de etanol, por exemplo, é alta demais. O
nosso produto é mais eficiente e tem custos menores. Uma boa análise na lista
de proteção pode indicar o que fazer.
O nível de hostilidades está muito alto e num ambiente assim,
a economia como um todo sofre. Se o PIB chinês reduzir o ritmo, isso nos afeta.
Não há lugar seguro no meio de tanta artilharia. Há quem sempre aposte que
Trump late mais do que morde. Mas o que ele está latindo é assustador. Diz que
vai tomar a Groelândia de “um jeito ou de outro”, e insiste em ofender o
Canadá insinuando que ele é um estado americano. Muito além do comércio, o que
está acontecendo nesse momento da História lembra muito o início de outras
tragédias que a Humanidade viveu no século passado.
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