Leia o excelente artigo de Renato Dolci
Vivemos um
paradoxo digital: nunca tivemos tanto acesso à informação, mas quase sempre
escolhemos não acessá-la. A internet deveria ser o lugar das trocas, do
conhecimento, da escuta. Mas virou um grande palco de reações instantâneas.
Comentar, hoje, é um reflexo mais rápido do que entender.
Um estudo da Columbia University revelou
que 59% dos links compartilhados no X (Twitter)
nunca foram clicados. No Facebook, a superficialidade é ainda
maior: uma pesquisa da Universidade Estadual da Pensilvânia identificou que
cerca de 70% das pessoas compartilham conteúdo sem
abri-lo. A decisão é feita em segundos, quase sempre só com
base na manchete.
O tempo médio de leitura antes do compartilhamento
reforça o cenário: segundo o Chartbeat, são apenas 15 segundos dedicados ao
conteúdo antes de uma pessoa enviá-lo para seu círculo de seguidores. O
suficiente para formar uma opinião? Provavelmente não. Mas é o suficiente para
julgar, criticar e opinar.
Essa superficialidade se reflete também em outras
plataformas, onde um estudo revelou
que 73% dos vídeos no YouTube recebem votos
(positivos ou negativos) sem que os usuários tenham aberto o conteúdo, enquanto
a propaganda ainda está passando. O julgamento é automático. O
conteúdo, quase irrelevante.
O resultado prático disso é claro: a informação de
qualidade perde espaço para aquilo que gera reações rápidas. Um estudo da MIT Sloan mostra que notícias falsas se espalham seis vezes mais
rápido que as verdadeiras, exatamente por apelarem ao
emocional. Não importa se é real, desde que provoque indignação, confirmação ou
polêmica.
A urgência de opinar virou um espasmo
coletivo. Você vê um corte de podcast de 7 segundos e já tem opinião formada
sobre o convidado, o assunto, o contexto e o futuro da humanidade. Um trecho de
vídeo vira evidência. Um frame vira ideologia. Uma frase solta vira certeza —
desde que alguém com muitos seguidores aponte o caminho. Pensar virou
desvantagem competitiva. Refletir virou lentidão. Duvidar virou fraqueza. E
ouvir virou perda de tempo.
Além disso, o comportamento superficial nas redes tem um
efeito colateral preocupante. De acordo com a Science Alert, quem lê só manchetes tende a acreditar
que sabe mais sobre os assuntos do que realmente sabe, criando uma falsa
sensação de conhecimento profundo. É a ilusão da compreensão: consumir pouco,
opinar muito.
Comentar virou performance social. Opinar é
menos sobre contribuir para um debate e mais sobre pertencer a uma bolha. A
socióloga Zeynep Tufekci, no livro Twitter and Tear Gas, aponta
justamente isso: na internet atual, a opinião é usada principalmente como
marcador social, não como meio de diálogo.
A internet multiplicou as vozes, mas atrofiou a escuta.
Compartilhar sem ler virou rotina. Opinar sem entender virou regra. O resultado
é um imenso ruído digital, em que todos falam, poucos ouvem e ninguém, de fato,
conversa. E seguimos chamando isso de debate.
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